A situação extraordinária de calamidade pública, reconhecida pelo Governo federal e pelos Governos estadual e municipal de São Paulo, em decorrência da pandemia mundial do Coronavírus (covid-19), demonstra de modo inequívoco, a superveniência de evento de força maior em escala monumental, afetando de forma generalizada, praticamente todas as relações de consumo.
Tal situação anômala e inédita, provocou a interrupção dos contratos entre consumidor e fornecedor, sem que se pudesse imputar culpa a nenhum deles. Mais do que isso. Não se pode sequer atribuir nexo de causalidade às partes contratantes, já que nenhuma delas deu causa ao fenômeno irresistível e inevitável que se espalha em proporções assustadoras.
Diferentemente da situação até então vigente, na qual se lidava com situações pontuais, em maior ou menor número, de violações ou divergências na órbita do direito consumerista, o novo quadro revela a interrupção forçada de um número tão grande de relações de consumo, que passa a exigir dos órgãos de proteção e defesa do consumidor, uma visão e uma estratégia diferentes, a fim de garantir a eficácia no atendimento à parte vulnerável da relação de consumo.
A mediação nos estritos termos da legislação em vigor acarretaria como consequência, a recusa em atender as demandas dos Procons como única forma dos fornecedores garantirem a própria sobrevivência econômica, levando a uma judicialização desenfreada e a postergação do atendimento às necessidades do consumidor para período incerto e indeterminado.
Dada a excepcionalidade da situação e a proporção de sua abrangência, afetando de uma só vez, todas as relações de consumo, acentua-se um desequilíbrio natural entre fornecedor e consumidor, de modo que o Procon-SP, orientado pelos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, está atuando para compatibilizar a proteção do consumidor com a necessidade da continuidade do desenvolvimento econômico, sempre com base na boa-fé objetiva, buscando harmonizar e equilibrar os interesses dos participantes das relações de consumo.
Tal medida se impõe no próprio interesse do consumidor, haja vista que, estabelecidos parâmetros de negociação dentro do princípio da razoabilidade, aumenta a possibilidade de sucesso nos acordos coletivos e nos atendimentos imediatos às demandas.
Frise-se, mais uma vez, que a postura inflexível nesse momento, seja de parte do consumidor, seja de parte dos Procons, seja do fornecedor, diante da gigantesca proporção que a propagação da doença tomou, levaria à inviabilidade dos acordos, ameaçaria o crédito dos consumidores e a existência das empresas.
A radicalização leva, portanto, à judicialização e não resolve o problema do consumidor nesse momento.
À vista disso, o Procon-SP, ao mesmo tempo em que reafirma o compromisso em resguardar o direito básico do consumidor de rever seu contrato, sempre que fatos supervenientes tornarem excessivamente onerosas as cláusulas contratuais, estabelece diretrizes para negociação com os fornecedores, com objetivo de garantir a eficiência e agilidade no atendimento.
Importante relembrar uma vez mais, que o cenário de pandemia, somado à declaração do estado de calamidade pública, afasta tanto a culpa, quanto o nexo de causalidade em relação ao fornecedor, dificultando o posicionamento inflexível junto à mesa de negociações. A presente situação não tem como se equiparar à hipótese de previsão empresarial do chamado risco do negócio.
Os fornecedores, por sua vez, orientados pelo princípio da boa fé objetiva precisam se colocar no lugar dos consumidores e fazer por eles o que gostariam de receber se estivessem naquela posição. Em outras palavras, o equilíbrio, o bom senso, a boa vontade e a boa fé devem prevalecer.
Entendendo ser a forma mais eficaz de negociação com os fornecedores em um momento de excepcionalidade institucional, com a potencial ruptura da totalidade dos contratos firmados, o Procon-SP sugere como opção preferencial dos consumidores a conversão do serviço em crédito para ser usufruído em momento posterior, a critério do consumidor, sem a imposição de qualquer cobrança de taxa, multa ou outra forma de penalização, como retenção de parte de valor. Os serviços que puderem continuar a ser prestados a distância não precisarão ser interrompidos.
A solução deverá ser guiada pelos princípios da boa-fé, razoabilidade, proporcionalidade e transparência, sendo imprescindíveis equilíbrio e bom senso.
Feitas essas considerações, é que o Procon-SP garante maximizar seus esforços para que os consumidores de produtos ou serviços que tiveram seus direitos afetados por esses fatores externos, pelo prazo de 12 (doze) meses após vencida a pandemia e encerrado o decreto de calamidade, isentos de qualquer penalidade contratual, possam exercer o direito de escolha entre: 1) o reagendamento do serviço contratado; 2) a substituição por outro produto ou serviço equivalente; 3) a utilização de crédito para ser consumido na mesma empresa.
Também buscará junto aos fornecedores o direito ao reembolso dos valores pagos, no entanto, a ser efetuado após o encerramento do decreto de calamidade e vencida a pandemia do coronavírus (covid-19).
Os fornecedores de produtos e serviços deverão envidar esforços para manter os compromissos assumidos e cumprirem os prazos regulamentares de atendimento ao Procon-SP, preservando os satisfatórios índices de solução.
Por fim, o Procon-SP alerta que, em hipótese alguma serão toleradas práticas abusivas e má fé, podendo, em casos extremos, as providências administrativas ser acompanhadas de medidas no âmbito criminal em parceria com a Polícia Judiciária.
Fernando Capez, diretor executivo do Procon-SP