Balanço do primeiro ano do Programa de Superendividados do Procon de São Paulo
alerta para necessidade de tratamento do superendividado adimplente
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Pedro*
tem 24 anos, recebe cerca de R$ 2 mil por mês e seu endividamento
chegou a R$ 10 mil, valor que corresponde a cinco meses do seu
salário. Marisa*, de 30 anos, funcionária pública, ganha cerca de
R$ 4,5 mil e o nível de suas dívidas chegou a R$ 200 mil.
Pedro
e Marisa fazem parte do grupo de superendividados, cujas contas a
pagar têm valores de até R$ 300 mil e podem ser contraídas em até
22 cartões de crédito, de acordo com balanço do primeiro ano do
Programa de Apoio ao Superendividado (PAS), do Procon-SP,
feito a pedido do iG.
Pedro
é um caso comum entre esses consumidores. Quando atingiu o limite do
cheque especial e do cartão de crédito, foi até o banco cobrir
empréstimos contraídos e entrou em um ciclo vicioso. A bola de
neve, formada pelas taxas de juros dos empréstimos, foi ficando
maior à medida em que Pedro recorreu a mais dois bancos para cobrir
os empréstimos anteriores.
Já
Marisa ilustra casos extremos. Ela contraiu nove empréstimos, desde
adiantamento do 13º salário até crédito consignado (descontado
diretamente do salário), durante quatro anos, todos em uma mesma
instituição financeira. Quando perdeu o controle do limite do
cartão de crédito e do cheque especial, Marisa* renegociou dívidas
no crédito consignado.
Mesmo
com as contas em dia, a funcionária pública se viu diante da
necessidade de pagar uma prestação mensal de R$ 3,5 mil, que
corresponde a quase 70% de sua renda.
Este
ano, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do
Consumidor (Peic), calculada pela Confederação Nacional do Comércio
(CNC), em média 19,8% das famílias apontaram ter dívidas que
correspondem a mais da metade de sua renda e podem ser consideradas
superendividadas.
O
número se aproxima de 2010, no qual 20,2% apontaram ter mais de 50%
de sua renda comprometida com dívidas. Em 2011, esse valor havia
caído para 18% e, em 2012, já havia voltado a subir, para 19,4%.
Perfil
Com
dívida média de R$ 15 mil, o consumidor superendividado tem renda
familiar média entre R$ 2 mil a R$ 4 mil, e quatro contratos para
renegociar. O contrato mais comum é o cartão de crédito, segundo o
levantamento do Procon-SP.
Os
dados do PAS abrangem o período de outubro de 2012, data de criação
do programa, até o dia 28 de novembro deste ano. No período, foram
atendidos 1,1 mil consumidores, que deviam para 2 mil credores e
tinham 4,3 mil contratos de crédito a serem renegociados. No
período, foram realizadas 430 audiências de conciliação entre
credores e devedores.
Os
superendividados são tanto ativos, como Pedro*, que erram no cálculo
das contas e extrapolam limites orçamentários, como passivos, que
se descontrolaram financeiramente após passar a ganhar um salário
menor, se divorciar ou sofrer um acidente.
É
o caso de Lilian*, de 32 anos. Após sofrer um acidente de trabalho,
ela viu sua renda mensal cair de R$ 6 mil para R$ 2,5 mil. Além de
ter financiamento imobiliário e fazer faculdade, Lilian precisava
pagar um convênio médico. Para isso, teve de renegociar dívidas
com credores e reduzir despesas para enfrentar a nova realidade.
O
maior vilão para que o consumidor atinja um nível de endividamento
alto são as taxas de juros, conta Diógenes Donizete, coordenador do
Núcleo de Superendividamento do Procon-SP. "Uma coisa é dever
R$ 10 mil na Suíça. Outra é fazer o mesmo no Brasil, onde a taxa
do crédito rotativo é de dois dígitos. No mês que vem, a dívida
atinge R$ 15 mil; no outro, R$ 20 mil, e pode dobrar em quatro
meses."
Para
o coordenador, a situação do superendividamento é nova, e
impulsionada pela ascensão da classe média, agora com acesso ao
mercado de consumo e novos produtos financeiros. "Vivemos hoje a
chamada bancarização e o crédito fácil. O consumidor encontra
mais opções de financiamento. Em 1979, para conseguir cheque
especial era necessário ter um bom relacionamento com o gerente.
Hoje, mesmo que ele não queira contratar o crédito, o banco deixa
disponível."
Nesta
nova realidade, o consumidor inexperiente ainda não entende como
funciona o mercado financeiro. "Existe falta de informação
sobre como funcionam os juros no País", conta Donizete. É
comum que o superendividado tenha como foco o valor das prestações,
e não o dos juros. "Se poupasse durante alguns meses, ele
compraria o produto à vista e não teria encargos. Há necessidade,
mas também pressa de comprar o produto financiado."
Preocupações
Entre
os superendividados atendidos pelo Procon, há um grupo razoável de
adimplentes, como Marisa*, que conseguem pagar a dívida, mas estão
sem fôlego financeiro para sair dela e continuar a fazer compras
essenciais para a sua sobrevivência. E são estes casos que as
instituições financeiras ainda engatinham para resolver, conta
Donizete.
"Este
consumidor já entrou em coma financeiro, mas respira por aparelhos.
Parece um contrasenso, mas ele é obrigado a atrasar as contas para
entrar em uma política de renegociação Não há políticas
específicas, e o caso dele é tão urgente quanto o endividado que
está inadimplente há dois ou três anos."
Outra
preocupação são funcionários públicos, que podem ter renda
mensal acima de R$ 8 mil e, devido à maior estabilidade no emprego,
têm amplo acesso ao crédito consignado, cujo parcelamento pode se
estender por anos. Isso porque esse tipo de dívida não permite
manobras, já que o empréstimo é descontado do salário. "Em
alguns casos as pessoas ficam realmente sem salário, pois acabam
contraindo empréstimos em diversos bancos."
Renegociação
O
Procon-SP filtra os interessados no programa pela complexidade do
caso. O serviço é gratuito e o cadastramento inclui entrevista
pessoal. "Aqueles nos quais é necessária apenas uma
reorganização financeira não entram no programa", diz
Donizete.
O
coordenador conta que cada banco tem uma política diferenciada para
tratar do tema, e as renegociações variam conforme o caso. "O
objetivo é evitar que o consumidor entre em colapso financeiro. Os
bancos não facilitam muito, chegaram tímidos, mas estamos
avançando."
Para
isso, a meta é conseguir taxas de juros e condições de
parcelamento diferenciadas. "Chegamos em um valor, geralmente
correspondente a 30% da renda familiar, no qual a família consegue
continuar pagando e comprando serviços essenciais. Não aceitamos
nenhum acordo abaixo deste valor", diz Donizete.
Nos
casos em que a maior parte da dívida se concentra no crédito
consignado, a negociação acontece primeiro no banco onde o
consumidor recebe o salário, para somente depois abranger outros
credores.
Nem
todos os casos necessitam de audiências entre credor e consumidor.
Elas ocorrem quando o consumidor deve para diversos credores. "Nestes
casos, há uma negociação conjunta". Para conciliação,
também são enviados apenas casos mais complexos, nos quais não há
acordo anterior.
O
objetivo é que o programa de São Paulo seja estendido para Procons
de todo o País. A partir de 2014, a ação deve ser levada para
algumas das instituições conveniadas ao órgão de São Paulo, em
250 cidades do Estado.
Outras
iniciativas
Além
do programa do Procon. tribunais nos Estados do Rio Grande do Sul,
Paraná e Pernambuco também já têm núcleos de apoio a
superendividados. O Tribunal de Justiça do Paraná foi o segundo a
implantar o núcleo, em 2007. O serviço é gratuito. Para
participar, basta preencher um formulário no site.
No
núcleo, 57,25% dos consumidores atendidos são mulheres, 35,64% têm
entre 22 a 34 anos,, 72,61% são trabalhadores ativos e 44,29% são
casados. A maioria (53,68%) ganham entre 1 a 3 salários mínimos,
mas 15,04% ganham mais de 5 salários mínimos.
A
maior causa das dívidas é a redução de renda (31,48%), seguida
por desemprego (27,50%) e gasto maior do que o que recebe como
salário (22,54%). Das dívidas, 31,10% têm valor maior do que 25
salários mínimos, e 23,94% correspondem a cinco salários mínimos.
Apesar
dos acordos chegarem a 70% dos casos, a juíza Sandra Bauermann conta
que, no início, esse número era maior. "Em 2007, os
consumidores tinham dívidas mais antigas, mais fáceis de serem
renegociadas".
Outra
mudança importante no perfil dos atendidos ao longo dos anos
aconteceu na renda familiar. "Antes atendíamos consumidores com
renda familiar entre cinco e dez salários mínimos. Hoje, ela
ultrapassa 25 salários mínimos, o que mostra que não importa o
quanto o consumidor ganha, mas quanto está gastando."
A
juíza Sandra confia na aprovação do Projeto de Lei 283/2012, que
prevê conciliações em casos de superendividamento e tramita no
Senado. "A expectativa é que até março o projeto seja
aprovado. As experiências que temos hoje são importantes, mas não
atingem todo o País. Falta uma legislação permanente sobre o tema.
Sabemos que isso pode ter impacto na economia do País", alerta
a juíza Sandra.
Para
a magistrada, é necessário regulamentar situações em que há
irresponsabilidade na concessão de crédito. "Em muitos casos,
os consumidores não são orientados sobre o que estão contratando,
principalmente em lojas. Eles pensam que estão apenas parcelando,
quando estão pagando taxas de juros altas."
*
Nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.
Fonte: IG
Nota do Blog
O Núcleo de apoio ao superendividado estará em recesso entre os dias 20/12/2013 a 07/01/2014. Neste período não haverá triagem e encaminhamento para o Programa do Apoio ao Superendividado.
O Núcleo continuará atendendo os consumidores que já foram pré-agendados.