Foto: Paulo Fridman/Bloomberg |
A discussão no governo sobre o
adiamento da exigência de inclusão de freios ABS e airbags em 100%
dos veículos fabricados no país a partir de 2014 - motivada pela
preocupação com a inflação e pela pressão de montadoras e
sindicatos às vésperas de um ano eleitoral - foi interpretada por
especialistas como um retrocesso à segurança dos motoristas
brasileiros. Acidentes de trânsito matam mais de 50 mil pessoas por
ano e deixam mais de 400 mil com sequelas, destaca José Aurélio
Ramalho, diretor-presidente da ONG Observatório Nacional de
Segurança Viária. O Insurance Institute for Highway Safety (IIHS)
estima que o uso do ABS e do airbag pode reduzir em 29% o risco de
lesão grave ou morte. Cerca de 70% dos carros são vendidos com o
equipamento.
Paulo Arthur Góes, diretor executivo do
Procon-SP, lembra que os carros brasileiros têm apresentado
repetidamente as piores notas em testes de impacto:
- É um absurdo. As eleições não podem estar
acima da segurança dos cidadãos. Em nome de manter índices de
emprego e inflação não se pode abrir mão da segurança. Essas
empresas tiveram todas as benesses e deram contrapartida zero. Fora
do Brasil, elas não se arriscariam a colocar um carro no mercado sem
airbag, sabem que o consumidor não aceitaria.
Sindicato avisado com antecedência
Para a Proteste, que avalia os carros brasileiros
há sete anos em parceria com o Programa de Avaliação de Carros
Novos Latin NCAP, a segurança sempre foi um quesito que deixou a
desejar.
- Se o governo incentiva carro popular, é
contrassenso não colocar equipamento de segurança - diz Maria Inês
Dolci, coordenadora institucional da Proteste.
Sobram críticas até sob a ótica do investimento
das montadoras. Para Paulo Roberto Garbossa, diretor da consultoria
ADK, a mudança faltando 20 dias para a implementação soaria como
“brincadeira do governo” pois o planejamento das montadoras é
feito com ao menos seis meses de antecedência:
- Está na hora de rever os impostos da cadeia, em
vez de ficar no sobe e desce do IPI e vendendo carros inseguros.
A Anfavea, associação que reúne as montadoras,
e interlocutora frequente do governo, se afastou da polêmica.
- É importante ressaltar que as montadoras já
investiram para equipar a totalidade da produção com os itens -
disse o presidente da Anfavea, Luiz Moan, convocado para uma reunião
com o ministro da Fazenda, Guido Mantega na terça-feira.
Para Rogélio Golfarb, ex-presidente da Anfavea e
atual vice-presidente da Ford, o adiamento beneficia Fiat e
Volkswagen, que teriam de retirar do mercado modelos populares, como
a Kombi.
- A adoção do airbag e do ABS em todos os
modelos pode mudar a participação do mercado - disse Golfarb.
Anteontem, antes mesmo de Mantega afirmar que o
governo poderia adiar a obrigatoriedade de itens de segurança, o
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC anunciava aos empregados da Volks
de São Bernardo do Campo que o governo divulgaria medida para os
próximos dois anos que permite que os veículos Kombi e Gol G4
continuem na linha de produção.
Em entrevista ao jornal da associação, Santana
disse que o sindicato aproveitou a presença da presidente Dilma
Rousseff na cerimônia do título de doutor honoris causa recebido
por Lula na Universidade Federal do ABC para falar sobre o risco de
quatro mil demissões no início do ano.
Nesta quarta-feira, o sindicalista confirmou ao
GLOBO que a mudança é um pleito do sindicato. Segundo ele, a
questão foi negociada desde o início do ano e envolveu os
ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, além do secretário
geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho:
- Foram dezenas de conversas no sentido de criar
uma alternativa que preservasse os postos de trabalho na Volks.
Miguel Torres, presidente da Força Sindical,
disse considerar o pedido absurdo:
- Quem compra carro popular é trabalhador, e quem
morre no trânsito são os trabalhadores.