quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Bancos e os seus direitos: A “compra e venda” das operações de crédito


O segmento “consignado” tem sido o de maior crescimento, em nosso mercado de crédito ao consumidor (recursos livres), há anos. Antes mesmo do final de 2013, já eram mais de R$ 215 bilhões, nessa modalidade, segundo dados do Banco Central - mais de 200% de crescimento, em pouco mais de 5 anos, desde 2008. A taxas mais baixas para os consumidores e apresentando risco bastante reduzido, para os agentes financeiros, era mesmo de se esperar, sem dúvida, essa popularização.

Em que pese os aspectos benéficos envolvidos na ampliação do acesso ao crédito, num contexto em que o consignado assume posição tão destacada, diversas práticas desse segmento tem causado transtornos aos consumidores, como tem mostrado os atendimentos registrados nos Procons de todo o país. Em especial, temos em mente aqui as dificuldades encontradas pelos tomadores desses créditos para conseguirem os “boletos” para que possam liquidar antecipadamente essas operações, se assim o desejarem.

Na prática, estamos diante de um mercado operado por intermediários (correspondentes) que atuam na oferta direta aos consumidores, em nome dos agentes financeiros. De forma simplificada, considerados os “estímulos” a eles conferidos (modelos e patamares de comissionamento daqueles que atuam nessa intermediação entre tomadores e concedentes de crédito), esses intermediários acabam atuando, nesse mercado, com foco em ‘fazer girar’ as carteiras de crédito que operam. A cada nova ‘revenda’ de uma mesma operação, recebem novas comissões, integrais, sobre o valor total dos contratos.

Esse modelo de negócio, evidentemente, faz com que os próprios agentes financeiros procurem estabelecer mecanismos para dificultar a sistemática revenda das operações das quais são titulares para outros agentes – prática essa amplamente estimulada pelos operadores intermediários, em busca de novas comissões.

Para o consumidor, no entanto, esses “mecanismos de proteção” criados pelos agentes financeiros, no intuito de não perderem seus contratos para concorrentes, acabam implicando, no limite, o impedimento ao exercício do direito de liquidar antecipadamente suas dívidas – direito esse expressamente garantido pelo Código deDefesa do Consumidor (art. 52, Par. 2º.).


Atento à complexidade das operações postas em prática nesse importante segmento de nosso mercado de crédito, o Conselho Monetário Nacional – CMN editou, em Dezembro de 2013, duas novas Resoluções que, ao menos em tese, deverão contribuir para uma importante melhoria desse cenário: a Resolução 4.292/13 (com vigência a partir de 05/05/14) e a Resolução 4.294/13 (com vigência a partir de 02/01/15).

A Resolução 4.294/13 disciplina pagamentos a serem feitos a esses correspondentes, na comercialização de operações de crédito, fixando-lhes limites e estabelecendo um escalonamento para eles, ao longo do prazo de cada contratação realizada. Pretende-se enfrentar, assim, um dos pontos críticos acima apontados.

Já a Resolução 4.292/13, por sua vez, trata da chamada “portabilidade de operações de crédito” – que nada mais é do que a transferência dessas operações de um agente financeiro (onde originalmente se iniciou a operação) para outro (para onde se pretenda transferir essa dívida, em princípio, em condições melhores do que a original, para o consumidor). Nessa norma, destacam-se: 

- a utilização obrigatória da via eletrônica (TED) para que essas transferências sejam realizadas (eliminando-se, assim, a prática da emissão de “boletos para liquidação”), vedados quaisquer “caminhos alternativos” a essa via; 

- a proibição do repasse de custos dessa transferência para o consumidor; c) a possibilidade de alteração, apenas, da taxa de juros dessas novas operações (mantidos o prazo e o valor da operação original).

Essas são medidas importantes para o enfrentamento do verdadeiro calvário que os consumidores tem sido obrigados a percorrer para conseguir os tais “boletos”, para liquidação antecipada de suas dívidas – algo que, até a entrada em vigência da norma, no início de Maio deste ano, deverá tornar-se ainda mais evidente, infelizmente.
O mercado, por certo, procurará outras formas de minimizar os impactos dessas mudanças em suas operações, como sempre se dá em processos regulatórios; ainda assim, as medidas parecem bem orientadas e com potencial para produzir, sim, melhoras no contexto das operações desse segmento.

Permanece vivo o desafio, no entanto, no sentido de fazer com que esse novo modelo regulatório gere, de fato, os efeitos positivos que dele se espera, no sentido da formação de um mercado mais equilibrado e mais seguro, em prol do consumidor.

Não podemos perder de vista que, nesse segmento, não raro identificamos consumidores cuja vulnerabilidade se mostra ainda mais latente – afinal, é pela via dos consignados, não raro, que milhares de ‘novos consumidores’ são atraídos para o mercado de crédito.


Assim encerramos a série “Bancos e os seus direitos”, confira os demais posts sobre o tema clicando nos links abaixo: