Quase quatro meses depois de o Conselho
Nacional de Seguros Privados (CNSP) regulamentar a venda de seguros
no varejo, entre eles, o de garantia estendida, ampliando o leque de
proteção ao consumidor, quem vai às compras ainda enfrenta
problemas com a oferta desse serviço. Entre os principais ganhos
previstos pela resolução estão o prazo de sete dias para o
consumidor desistir da contratação do seguro, o acesso às
condições gerais antes de fechar o negócio e a opção de adesão
a qualquer momento durante período da garantia do fabricante. Tais
direitos, no entanto, ainda são desconhecidos pelos compradores, que
se deparam com práticas proibidas, como oferta de desconto atrelado
à compra da garantia estendida.
Luciano Portal Santanna, titular da
Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), explica que a
regulamentação da CNSP foi proposta pela autarquia após conversas
com órgãos de defesa do consumidor. E ressalta que deveres e
direitos devem ser passados ao consumidor.
— Casos de descumprimento precisam chegar à
SUSEP, que é o órgão regulador desse mercado. O consumidor tem de
denunciá-los para que possamos agir e punir quem não age de maneira
correta — destaca Santanna.
Renata Reis, supervisora da área de assuntos
financeiros do Procon-SP, alerta que não garantir ao consumidor
acesso aos benefícios previstos pela resolução pode ser um tiro no
pé do próprio mercado segurador:
— Fazer chegar ao cliente a informação do
direito de arrependimento, da possibilidade de compra posterior e a
proibição de venda atrelada a desconto permitem que o consumidor se
sinta mais seguro e opte por comprar o serviço. Já houve avanços,
mas ainda há muito a fazer. É preciso investir em treinamento e em
fiscalizar, homem a homem.
Acesso às condições gerais
O acesso às condições contratuais é essencial
para evitar aborrecimentos como o enfrentado pela corretora de navios
Debora Correa Varella. Em dezembro de 2011, ela aproveitou uma
promoção numa varejista on-line e comprou uma lava-louças, que
sabia que só seria instalada mais de um ano depois, após o prazo de
garantia do fabricante. Por isso, não hesitou em adquirir na hora da
compra on-line o seguro de garantia estendida da Mapfre por mais dois
anos. Ela, no entanto, não teve acesso ao contrato na hora da compra
e o documento foi enviado com a lavadora.
A lava-louças, que só saiu da caixa em dezembro
passado, funcionou apenas duas vezes e pifou. Como foi condenada pelo
técnico enviado pela seguradora, a cliente teve direito a uma
indenização, já que não havia mais o produto no mercado para
substituição. Ao entrar em contato com a seguradora, Debora soube
que o teto da indenização era o da nota fiscal.
— Não tinha ideia de que o teto era o valor da
nota fiscal e era impossível comprar uma nova máquina com esse
montante. Só tive acesso às condições gerais, ao contrato, quando
a máquina chegou. O documento só foi entregue com a lava-louças.
Como eu poderia saber?
Após mais de um mês de negociação, Debora e a
seguradora chegaram a um acordo e a seguradora elevou o valor a ser
pago à cliente. A nova máquina, no entanto, foi comprada sem
garantia estendida. Até porque só agora ela soube que o seguro não
precisa ser adquirido junto com o eletrodoméstico.
Mauricio Galian, diretor geral de seguros
massificados da Mapfre, diz que a empresa sempre tenta fazer o melhor
pelo cliente e que cada caso é um caso e que, por isso, foi possível
negociar com Debora. Mas reconhece que há problemas e que os
vendedores no varejo precisam ser mais treinados.
— Investimos muito em treinamento e ressaltamos
pontos importantes sobre as condições do seguro. Além disso, temos
colocado para as varejistas cláusulas de responsabilidade, para que
se esforcem para que o cliente saia satisfeito, sabendo o que
contratou e o quanto pagou.
Desde outubro, o consumidor pode desistir do
seguro até sete dias após sua aquisição. E embora a nota fiscal
de quem adquiriu uma garantia estendida contenha essa informação,
ela não é passada ao consumidor pelos vendedores, que ainda fazem
uso de práticas proibidas pela SUSEP. Além de insistirem de forma
ostensiva na compra da garantia estendida mesmo se o cliente diz que
não tem interesse — dando a entender que não comprá-la é um mau
negócio —, ainda é comum vincular descontos à venda do seguro e
sem deixar isso claro para o consumidor.
Juliana Barbosa foi ao Extra da Av. Maracanã para
comprar um videogame pelo preço que havia visto no site Extra.com:
R$ 1.199. Ao ver que na loja física o produto custava R$ 1.399,
Juliana tentou negociar um desconto com o vendedor, que foi
irredutível e explicou que não era possível fazer o mesmo preço,
que eram empresas diferentes. Mas ofereceu um desconto na garantia
estendida. Juliana disse que não queria e ele insistiu, alegando que
ela levaria “por apenas R$ 10” um serviço que custa R$ 210. Meio
a contragosto, ela topou. No caixa, no entanto, Juliana teve uma
surpresa.
— Já achei estranho ter de pagar a garantia e o
produto separadamente. E embora o valor total da compra estivesse
correto, R$ 1.409, a nota saiu com preço diferente. Cobraram R$
1.199 pelo videogame e R$ 210 pela garantia estendida. Se o vendedor
disse que não poderia dar desconto no produto, por que a nota saiu
no valor que eu queria ter pago? Isso é um absurdo.
A mesma situação foi vivida pelo arquiteto
Roberto Pedreira dos Santos e seu sócio Daniel Guedes ao comprarem
duas geladeiras em uma filial do Extra de Salvador (BA). Lá, além
de a nota fiscal do produto ter saído com valor inferior ao
ofertado, e a garantia ter sido vendida de fato com preço superior,
o vendedor foi ainda mais enfático.
— Ele disse que se eu não comprasse a garantia
estendida, não venderia a geladeira, pois o sistema da loja não
permite. Isso é ilegal, é venda casada. E a nota veio com valores
diferentes dos que estavam ofertados. E só notei após pagar — diz
Guedes, acrescentando que não foram apresentadas as condições
gerais do contrato ou informado que o serviço poderia ser cancelado
sem ônus em até sete dias, nem mesmo que a garantia estendida
poderia ser contratada em outro momento.
A advogada Janaina Alvarenga, da Associação de
Proteção e Assistência aos Direitos da Cidadania e do Consumidor
(Apadic), ressalta que em casos como esses o consumidor tem o direito
de requerer a correção da nota e a devolução da diferença paga
pela garantia.
— A loja não pode impor um desconto de modo a
atrelá-lo à venda de outro produto. Isso é venda casada. A
solicitação de correção da nota e de devolução do dinheiro deve
ser feita por escrito. Há um erro de informação e uma indução do
consumidor ao erro — alerta.
Indício de crime fiscal
De acordo com a Secretaria de Fazenda do Estado do
Rio de Janeiro (Sefaz), há indício de crime fiscal na emissão de
nota fiscal em valor diferente do que foi oferecido ao cliente. “Se
a empresa emitir realmente uma nota fiscal de forma inidônea, ela
está sujeita a penalidades administrativas, tributárias (multas) e
penais”, afirma a Sefaz.
Santanna, da SUSEP, afirma que a oferta de
desconto na mercadoria para vender a garantia estendida é uma
indução clara à contratação do seguro e prática proibida.
— Os casos citados também mostram como
irregularidade o fato de a informação não ter sido passada da
maneira adequada — diz o superintendente, acrescentando que a
contratação a posteriori pode ser mais
vantajosa, pois, além de pesquisar, o consumidor pode pagar mais
barato, já que na compra pela internet, por exemplo, não há a
comissão cobrada no varejo.
Renata, do Procon-SP, lembra que a resolução do
CNSP diz que documentos e informações na loja têm de deixar claros
que o serviço é opcional. E que esses casos devem ser levados à
varejista, à seguradora, à SUSEP e aos órgãos de defesa do
consumidor.
O Extra informou que pauta suas ações no
respeito ao cliente e segue às normas e leis vigentes. A rede diz
que comercializa a garantia estendida em operação de pagamento
separada do produto para que não haja dúvidas no processo da compra
e acrescenta que está apurando o ocorrido para, se necessário,
adotar as medidas cabíveis.
O que observar
Informação - O consumidor
deve ter acesso a informações claras e precisas sobre o seguro que
está sendo comprado em lojas físicas ou virtuais
Arrependimento - O
consumidor pode desistir da compra do seguro de garantia estendida em
até sete dias sem qualquer ônus
Cancelamento - O seguro de
garantia estendida pode ser cancelado a qualquer momento. As
condições de ressarcimento estão previstas em contrato
Contratação - A aquisição
do seguro pode ser feita na hora da compra do produto ou a qualquer
momento desde que o item esteja sob garantia de fábrica. Neste
último caso, a seguradora pode exigir uma vistoria para verificar as
condições do produto
Contrato - No contrato,
informações como o que é, o que está ou não coberto, a que o
consumidor tem direito, preço, valor e condições de indenização
têm de estar claramente expressos.